domingo, 18 de julho de 2010

O olho que tudo vê

Uma breve passagem que ocorre dentro da trama de Ensaio sobre a Cegueira, livro homônimo do ganhador do Nobel de literatura, pela obra em questão, José Saramago, narra a reflexão de uma personagem enquanto única com visão em meio à uma leva de cegos desamparados. O trecho pode ser tomado como exemplo do resto do mundo em relação ao fotógrafo profissional. Nas palavras da personagem, “isto pareceu-lhe subitamente indigno, obsceno. Não tenho o direto de olhar se os outros não me podem olhar a mim, pensou.", aqui, elevada a essa situação, permite-se refletir que, ao alto de sua superioridade sensorial, ela não queria enxergar aquilo, não queria acarretar com o fardo de ser responsável por ver aquilo que os outros, por mais cientes e íntegros da situação, não viam.

O fotógrafo é dotado de habilidade indispensável à seu ofício, a câmera - com toda sua velocidade, fôlego e tecnologias – acaba por seu um simples equipamento, a grandiosidade está na apuração de seu olho, na visão que habilmente capta não só além, mas consegue dimensionar certas características do mundo pouco evidentes aos olhos destreinados. No romance de Saramago, a personagem repudia poder ver aquilo que serviria como um alerta a todos, o fotógrafo tem função de assumir essa tarefa e denunciar aos cegos (equivalentes às pessoas sem a visão do fotógrafo) o que ocorre bem diante deles. Dividir sua visão com o mundo para também ensiná-lo a ver as coisas desse ângulo. Deve levar o público a refletir sobre a mensagem e todo o código conotativo que compõe a foto para, com isso, dar autonomia em captar essa e outras visões complexas da realidade. Invariavelmente, com o balanço da situação, o lado ruim, feio e decadente pesa mais, por isso a missão de revelar essas verdades tende ao árduo, ao delicado e, por muitas vezes, ao cansativo.

Óbvio nunca foi sinônimo desse trabalho. Enquanto muitos tentam tirar a melhor foto no melhor lugar com a melhor situação, um amador caminha na rua, olha para o lado, vê dois meninos com trajes impecáveis indiferentes aos outros três humildemente vestidos que com eles dividem a calçada, sobrepõe a câmera ao olho, ajusta o foco, a máquina faz clique. Esta hipotética situação realmente ocorrera, entretanto, com um profissional da fotografia jornalística, Jimmy Sime, na Londres de 1937. Sua simples avidez em captar aquilo que ele achara ser uma boa foto, revelou-se uma mensagem deveras importante: a foto ilustrava o escandaloso abismo entre ricos e pobres na Grã-Bretanha. Fotógrafos de guerra têm a tarefa de registrar as situações do front para o mundo, Nick Ut, fotógrafo vietnamita, ouve gritos desesperados incomuns, não são soldados, são crianças, munido de câmera, congela a cena. O senso fotográfico de Ut levou-o a influenciar o fim do conflito no Vietnã com sua foto icônica.

Essas e mais uma miscelânea de fotos – cabíveis como registros da realidade negra e depreciativa, excluindo, no presente estudo, as conotativamente positivas, essas, tão numerosas quanto as negativas – foram tanto extraordinárias quanto acidentais. Acidentes pela significância da situação em quem foram captadas, contudo, acidental, nesse caso, não dá sentido apenas para o clique da câmera e momento ocasional, se dá também na abrangência e importância adquiridas após vir á público, destinos esses que não se encontravam previamente nos planos de quem tirou aquela foto.

Retornando à Saramago e seu ensaio literário sobre a primitividade explosiva do ser humano, a personagem, ainda provida de visão, por conviver e estar presente no meio do grupo de cegos (por motivos apresentados no romance), ao que tudo indica, tornar-se-á também cega com o tempo. Em se tratando da realidade, o fotógrafo, enquanto artista visionário – ladeado aos pintores, escultores, cineastas, escritores, poetas, etc -, deve avaliar sua enorme contribuição em denunciar os fatos, mostrar a verdade. Sem essa avaliação a autonomia de enxergar além enfraquece. Assim como deixa de progredir, deixa de ensinar, e, gradualmente, aquele olho hábil e servente a ver o que ninguém vê, cega.

sábado, 10 de julho de 2010

Liberdade?

"Liberdade (Portuguese for "Freedom") is the name of a district in the borough of Sé, in São Paulo, Brazil. It is home to the largest Japanese community outside of Japan in the world, which has been growing since the 1950s.".
- "Liberdade" segundo o site Wikipédia.

E aí, vai continuar creditando o site como uma fonte confiável para pesquisas?
Acho que sim. Encontrei até a liberdade lá.

.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Kanellos, o cão trotkista


Revista Piauí 46, julho 2010

A Grécia pode estar quebrada. Mas a mitologia grega acabou de enriquecer o mundo com a história de Kanellos, o cão trotskista. Desde Cérbero, o guardião do inferno, não vinha lá das bandas de Atenas uma entidade canina de tamanha importância, capaz de ofuscar os cortes de salários, aumentos de impostos e outros pratos feitos da crise financeira nas páginas do jornal inglês The Guardian, o primeiro órgão de imprensa a cobrir amplamente a presença de Kanellos em manifestações de rua contra a atual política de aperto fiscal.

Nas fotografias, o vira-lata dava mesmo a impressão de estar em todas. Havia flagrantes de Kanellos latindo de focinho aberto para pelotões de soldados encolhidos atrás de escudos, máscaras contra gases e capacetes. Cenas em que ele encara uma nuvem de gás lacrimogêneo, como se não passasse de gelo-seco em arena de circo. Ou desfila olimpicamente diante de um canhão de água pressurizada, desses que dispersam multidões. E atravessa, como indômito guerreiro, as fogueiras e os destroços das barricadas estudantis, rompe a dentadas cordões de isolamento, corre atrás das motocicletas de policiais ou beberica, no calçamento de Sintagma, a praça do Parlamento e dos tradicionais quebra-quebras, o leite derramado num protesto por fazendeiros. Sempre ao lado do povo e contra o tacão das autoridades.



...Continua em RevistaPaiuí.com.br