terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dilma, Serra e Pilatos


Época de eleição é como um disputado jogo de cartas, onde a última rodada é sempre a detentora da maior tensão, do maior empenho dos jogadores. Como qualquer jogo de apostas altas, os melhores blefes ficam para os últimos momentos, e os curingas mostram as caras na mesa. As surpresas são tantas que os viciados no jogo deixam escapar alguns truques, e não tarda em aparecer na mesa carta de curinga a mais que o baralho pode suportar. A segunda etapa do ciclo eleitoral, que toma o mês inteiro de outubro, dobrou o ritmo de trabalho dos marqueteiros de ambos os lados. Antes, o manejo era com todo o tipo de construção de imagens dos candidatos, agora, o processo é contrário, de desconstrução desmedida da figura rival. Nessa corrida muito mais frenética por números decisivos não é difícil ouvir mais o nome de certo candidato na propaganda do seu concorrente.


Disputa entre dois opostos, voz do povo, triunfo e fracasso, características que juntas já fizeram parte de outros eventos históricos que não esse qeu veremos o desfecho em poucos dias. Todos lembram de Jesus Cristo e Barrabás que, defronte o povo romano, à testemunha de Pilatos, tiveram o destino decidido pele voz aqueles ali presentes. Barrabás, delinqüente capturado, e Jesus, visionário pouco celebrado, tiveram suas vidas mudadas pelo que era considerado na época uma votação justa. Não que o criminoso Barrabás fosse pessoa do feitio da população da época, mas é que Jesus não havia feito uma campanha de sucesso para com o povo romano daqueles anos.


Essa segunda parte da eleição elevou os dois candidatos restantes à representantes dos julgados de Jerusalém no século XXI. Martirizando-os de tal modo (cada qual da maneira que as mentes de seus marqueteiros arquitetam) que fica a grande dúvida: quem, afim, na soma de suas propostas e denúncias, é para ser figurado como o bom da história. Cenários não faltam, mas a procura por deixar a população a par do que seu candidato fez ou não fez confunde e distancia novamente o eleitor da realidade política. Retorna o voto forçado, obrigatório, pelo simples fato de não saber no que acreditar.


A mistificação das figuras à frente dos dois maiores partidos do Brasil, relacionada com o episódio de Jesus e Barrabás, talvez não tenha seu fundamento em quem representa quem de acordo com a característica de cada um dos condenados, mas sim do que veio a representar seus destinos a partir dali. Afinal, a vitória na candidatura da presidência pode figurar tanto a condenação de Cristo quanto a liberdade de Barrabás. A resposta virá nesses próximos quatro anos após o veredito.


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Em defesa do romance - Mario Vargas Llosa


(…)

De uma maneira sub-reptícia, as palavras reverberam em todas as ações da vida, até mesmo nas que parecem muito distantes da linguagem. Isso, na medida em que, graças à literatura, evoluiu até níveis elevados de refinamento e de sutileza nas nuances, elevou as possibilidades da fruição humana, e, com relação ao amor, sublimou os desejos e alçou à categoria de criação artística o ato sexual. Sem a literatura não existiria o erotismo. O amor e o prazer seriam mais pobres, privados de delicadeza e de distinção, da intensidade a que chegam todos aqueles que se educaram e estimularam com a sensibilidade e as fantasias literárias. Não é exagero afirmar que um casal que haja lido Garcilaso, Petrarca, Góngora e Baudelaire ama e usufrui mais do que outro, de analfabetos semi-idiotizados pelas séries de televisão. Em um mundo iletrado, o amor e a fruição não poderiam ser diferenciados daqueles que satisfazem os animais, não iriam além da mera satisfação dos instintos elementares: copular e devorar.

(…)

O artigo completo em revista Piauí_37

sábado, 2 de outubro de 2010

Uma noite em 67


__Sábado. 21 de outubro. Uma noite em 67. O quase quarentão Teatro Paramount, na Avenida Brigadeiro Luis Antônio, 79, em São Paulo, está abarrotado de gente, pessoas que deixaram suas casas em pleno sábado à noite para torcer, mas não por um time de futebol, e sim por uma música. Doze artistas vão cantar para um júri que irá escolher a melhor canção de 1967, e esse júri não tem a mínima idéia (artistas e público, muito menos) de que esta noite entrará para a história. Uma noite em 67, documentário de Renato Terra e Ricardo Calil sobre a finalíssima do 3º Festival da Música Popular Brasileira, é a História sendo revista. Ali, no Teatro Paramount, a tradição (Chico Buarque) encontrava a revolução (Caetano Veloso e Gilberto Gil com respaldo dos Mutantes) e as faíscas desta noite emblemática chacoalharam o Brasil por vários e vários anos.


__Uma noite em 67 ajuda a retomar o olhar para um período em que, sem sombra de dúvida, a música brasileira era a melhor do mundo. Roberto Carlos contando piadas nos bastidores, apresentadores de televisão fumando cigarro em frente às câmeras, Caetano tentando explicar a pop-art e se enrolando, Chico tropeçando na palavra “telespectadores”, tudo isso (e muito mais) é um retrato em preto e branco de uma época maravilhosa de nossa música que passou, e que o rock nacional dos anos 80 tratou de chutar para bem longe (assim como o punk fez com o progressivo nos EUA e na Europa), mas que a nova geração redescobriu e voltou a valorizar. Há uma ligação (às vezes imperceptível) entre Luisa Maita, Nina Becker, Rômulo Fróes, Tulipa Ruiz e Wado (para citar cinco de uma lista imensa) com os eventos que aconteceram naquela noite de outubro. Quarenta e tantos anos se passaram e cá estamos, armados de boas canções, preparando uma nova revolução. Somos um, somos dois, somos cem. Não espere acontecer.




revista Noize#37 setembro 2010