segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Um apartamento em Copacabana

O ano era 1958, um baiano de Juazeiro interpretava "Chega de Saudade" e inseria de vez um novo movimento na cultura popular brasileira, com formato original de compor e interpretar. O tal baiano era João Gilberto. Os compositores eram o maestral Antônio Carlos Jobim, e o diplomata poético Vinicius de Moraes. Desse tripé nasceu a bossa nova, ritmo genuinamente brasileiro, onde o samba assumiu como a matriz musical, e a forte influência norte-americana nos seus arranjos jazzísticos dava a complexidade que não se via na cultura brasileira.
A década de 1950 foi o auge do american way of life, respingando na economia de diversos países, inclusive os latinos-americanos com o uso (e abuso) de bens materiais como os eletrodomésticos, e o direcionamento de recursos naturais como o petróleo. No Brasil o período pós-JK despertou um sentimento nacionalista com o tal dos 5 em 50, a construção de Brasília trazia uma expectativa de um novo país em nascimento, e a ideologia racionalista caracterizada pelo forte desenvolvimento urbano e o crescimento tecnológico prometia colocar a nação finalmente nos trilhos. Os dribles de Pelé e Garrincha, enchiam de suinge e orgulho a alma do brasileiro, quando o primeiro título mundial chegou as terras tupiniquins. A arte como a mais fiel das expressões de uma época, também entrou nesse contexto pós-guerra aqui no Brasil, assumindo uma papel mais concreto, sem a subjetividade que ia contra os preceitos racionalistas. Em resumo tudo era novidade, inclusive a música, que antes de 1958, recebia forte influência nordestino com a gaita de Luiz Gonzaga, e o romantismo impregnado nas composições era carregado, demasiadamente, de tristeza profunda, o samba fossa como era chamado. Nada combinava com o contexto social e com a alegre e inquieta alma brasileira.
A bossa nova seguiu essa onda de novidade, um ritmo condensado pelo trio João, Tom e Vinícius, oriundos da classe média emergente carioca, mudou a cara e o modo de ver da música popular brasileira. Voz e violão eram um só. A batida era envolvente. O cool jazz de Miles Davis, influência direta na bossa nova, foi abrasileirado e contagiado pelas nossas belezas. As melodias cheias de idas e vindas, eram o reflexo da juventude compositora. Mas tudo isso não era bem visto pelo mainstream da época. A escancarada influência da música erudita e do jazz, a complexidade das melodias, seu caráter mais intimista nas apresentações e a "elitização" do samba não deu bons olhos ao movimento pois houve grande descaracterização do samba "autêntico". A mudança era inevitável. Já estava fomentado uma nova cultura no país, um novo movimento de emergência no país, com uma outra visão, proporcionando um intercâmbio social com a cara cada vez mais brasileira.
O samba que vinha da Zona Sul carioca já era outro. O mundo também. A importância da bossa nova na música mundial é enorme. Gartota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, é uma das músicas mais tocadas no planeta. Os gringos começaram a olhar para a criatividade brasileira de outra forma. Crescemos culturalmente. A influência do estilo é clara no que viria depois. O tom de protesto que a arte brasileira assumiu em seguida com a tropicália, ganhou contornos mais suaves, abrilhantando mais a inconformidade perante a ditadura. O caras ficavam trancados em seus ricos apartamentos e não iam para as ruas? Tudo bem. Fazer arte também uma forma de protesto. Abra um bom whisky, sente e aproveite uma bossa nova.


"Eis aqui esse sambinha


Feito numa nota só


Outras notas vão entrar


Mas a base é uma só"


- Samba de uma nota só (Newton Mendonça/Tom Jobim)