segunda-feira, 12 de abril de 2010

Kafka, o mestre das frases

Francine Prose, autora de “Para ler como um escritor – Um guia para quem gosta de livros e para quem quer escrevê-los” (2008, Jorge Zahar Editor), notou uma necessidade de material para tal fim e acaba por revolucionar na abordagem do tema. Sua maneira de ensinar análises e citar obras obrigatórias revela que para os iniciantes da arte da escrita a paixão é pedra fundamental. Uma das lições iniciais de seu livro ensina sobre a insuperável importância da frase de abertura das obras. Grande parte dos escritores é apaixonada por construir belas frases, principalmente a fundamental.
Prose aponta a leitura desacelerada e atenta como método para o tamanho trabalho estilístico - em alguns casos levado ao extremo – não passar despercebido. Dada a importância da primeira frase, é ela que evidencia o que será desenrolado pelo resto das páginas e define se você vai ler até o fim.
Não importa o tamanho ou o rebuscamento, a frase pode tanto conter apenas quatro palavras como ser abarrotada de subordinações ordenadas em cascata. É ela que desencadeia o mistério, revela o estilo, introduz a trama, em suma, captura o leitor.

Lido esse capítulo, instantaneamente busquei as tais frases fundamentais nos meus livros já consumados. É notável como, de acordo com Prose, os autores dão importância a isso. Jack Kerouac, escritor cerne da geração Beat, logo de cara joga o leitor no meio de suas andanças e peregrinações sem roteiro que desenroladas não necessariamente acabam com o fim do livro. Sem rodeios, Kerouac quer mesmo transmitir certa falta de noção em suas grandes viagens, e faz isso bela e energicamente, levando o leitor junto, sem lenço nem documento.



Com Kafka (foto), segundo Francine, tem-se muito a aprender. Foi um exímio construtor de frases; um mestre das linhas de abertura – e das frases ao longo de toda sua obra. Buscava as doses certas nos momentos certos, logo, a frase primordial tornava-se de relevante importância para a sincronia do que viria a seguir.
Em A Metamorfose (comentários sobre essa obra em outra ocasião em um texto exclusivo, tamanha sua complexidade), Kafka abre com “certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Gregor Samsa encontra-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.” Tão vastos são conteúdo e importância presentes apenas nessas poucas palavras que toda uma análise poderia ser construída sobre a curta introdução. Difícil não querer saber quem era Gregor Samsa, por que se tornara um inseto monstruoso e ainda que inseto monstruoso fosse esse que havia se tornado (pergunta essa tão incógnita quanto a sobre a traição de Capitu).

Tanto para o leitor apaixonado como para o escritor ascendente, Francine acerta ao construir um manual leve e interessante que ensina a navegar pelas obras dos grandes escritores. Sendo seus cursos, suas palestras e seu velho amor pelas palavras material que serviu para a construção do livro, sua abordagem é diferente para nós brasileiros. Tão apaixonados pelo desenvolvimento da arte como relato da cultura ou apenas como desenvolvimento estilístico, ainda temos deficiência em cursos e materiais voltados à arte da escrita. O que deveria mudar é a boa leitura deixar de ser regra, porque aqui, infelizmente, as regras servem para não serem respeitadas, uma pena, mas verdade.

3 comentários:

  1. a boa leitura não deveria ser regra, deveria ser prazer, uma regra é difícil cumprir, mas prazer é o que todos querem.
    baita texto, deu vontade até de ler Kafka.
    abraçao

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  2. escutem a música: "A Metamorfose ou Os insetos interiores" do Teatro Mágico

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  3. Preciso desse livro antes de me envolver em maiores aventuras literárias!

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