segunda-feira, 28 de junho de 2010

E-mail de Voltaire a Rousseau - Agosto de 1775

"Recebi, senhor, vosso novo livro contra o gênero humano, e vos agradeço por isso. Vós agradareis aos homens, sobre quem fala vossas verdades, e não os emendará. Ninguém poderia pintar um quadro com cores mais fortes dos horrores da sociedade humana, para os quais nossa ignorância e debilidade tem tanta esperança de consolo. Ninguém jamais empregou tanta vivacidade em nos tornar novamente animais: pode-se querer andar com quatro patas, quando lemos vossa obra. Entretanto, como já faz mais de sessenta anos que perdi este costume, percebo, infelizmente, que é impossível recomeçar, e deixo essa maneira natural àqueles que são mais dignos que vós e eu. Já não posso mais embarcar para encontrar os selvagens do Canadá, em primeiro lugar, porque as doenças de que sofro me prendem ao redor do maior médico da Europa, e não encontraria a mesma assistência junto aos Missouris. Em segundo, porque a guerra está sendo travada lá naquele país, e o exemplo de nossas nações tornou os selvagens quase tão perigosos quanto nós. Devo me limitar a ser um selvagem pacífico, na solidão que escolhi, perto de vossa pátria, onde vós devíeis estar."



Há de se espelhar, todavia, gente com classe é outra coisa.


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sábado, 26 de junho de 2010

Kerouac Versus



Retorno ao clássico desentoado estilo beat.

Tão atemporal e sagaz quanto em suas origens.

fluxo de consciência, liberdade,

Kerouac versus quem der a cara à tapa.



Kerouac VS Bukowski



“Na América, quando você acha que é o único que está percebendo alguma coisa, se sente como se fosse um rei. As mulheres deixam de ser misteriosas, as ruas são iluminadas por cada passada que damos e qualquer fodão que aparece na sua frente se transforma num verdadeiro otário. Todavia, quando você descobre que tem um monte de maluco pensando da mesma forma, de duas uma, ou você pira de vez e se entrega ao deserto, ou então se alia a eles.”[...]



sexta-feira, 18 de junho de 2010

Um vivente eterno

José de Sousa Saramago (1922 - 2010)


Hoje não é para ser um dia triste, ele não concordaria. Hoje não é para ser um dia de luto, ele não apoiaria. Hoje, porém, uma intensa luz apagou-se aproximando mais o homem para um breu completo.

Mas esperto foi esse indivíduo. Deixou respingos dessa luz ao nosso dispor, a luz de seu ser transposta em palavras continuará servindo para iluminar os espaços cavernosos de nossas mentes - mesmo narrando ausência de sentidos ou reescrevendo a História, considerando suas frases longínquas e narrativas metafísicas.


"Nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe"

terça-feira, 15 de junho de 2010

Contemporâneo...

"Não há, com efeito, nada mais aborrecido do que ser, por exemplo, rico, de boa família, ter boa aparência, ser bastante esperto e mesmo sagaz e, todavia, não ter talento, nenhuma faculdade especial, nenhuma personalidade mesmo, nenhuma idéia pessoal, não sendo propriamente mais do que "como todo mundo".

Ter fortuna, mas não ter a de Rothschild; ser de uma família honrada, mas que nunca se distinguiu por qualquer feito; ter uma boa aparência, mas, mesmo com ela, não exprimindo nada de particular; ter inteligência, mas nenhuma idéia própria; ter bom coração, mas sem nenhuma grandeza de alma; ter uma boa educação mas nem saber o que fazer com ela etc, etc...

Há uma extraordinária multidão de gente assim no mundo, muito mais até do que a muitos possa parecer. Essa multidão pode, como toda a outra gente, ser dividida em duas classes: os de inteligência limitada e os de alcance mais vasto. Os primeiros são os mais felizes. Nada é mais fácil para essa gente "comum", de inteligência restrita, do que se imaginar original e mesmo exceção, e folgar com essa ilusão, nunca chegando a perceber o equívoco.

Basta a muitas de nossas mocinhas cortarem o cabelo de certo modo e usarem óculos azuis e se cognominarem de niilistas, para ficarem de vez persuadidas de que, com isso só, obtiveram automaticamente "convicções" próprias. Basta a certos cavalheiros sentir o mais leve prurido de qualquer erupção bondosa e humanitária para que imediatamente fiquem persuadidos de que ninguém mais sente o que eles sentiram, e de que formam a vanguarda da cultura. Basta a certos indivíduos assimilar uma idéia expressa por outrem, ou ler qualquer página solta, para imediatamente acreditarem que essa é a sua opinião pessoal espontaneamente brotada de seu cérebro.

A imprudência da simplicidade é, se assim se pode dizer, espantosa, em tais casos. Por mais incrível que pareça, isso existe."

Fiodor Dostoievski, O idiota (1868)

sábado, 5 de junho de 2010

Sartre e a fugacidade do tempo





Jean Paul Sartre, em seu O Ser e o Nada, mimetiza idéias filosóficas bastante instigantes, parte de sua corrente existencialista a qual notabilizou-o como um dos maiores pensadores do século XX. Nela, Sartre disseca um de seus temas mais recorrentes - o tempo - e analisa detalhadamente a angústia enquanto condição humana. Inicialmente é crucial saber discernir medo de angústia, onde o primeiro parte do medo dos seres do mundo, enquanto o segundo parte de si mesmo.


Um exemplo bem abrangente sobre isso seria a vertigem causada pela aproximação de um precipício. O medo surge das condições apresentadas (altitude, terreno acidentado e/ou frágil, vento), já a angústia é referente à razão humana e sua tomada de decisões, ou seja, não é o medo de cair do precipício, mas de se jogar dele. Retornando ao assunto largamente apresentado por Sartre, o tempo é efeito indissociável da presença ou ausência dessa angústia. Se o indivíduo resolve trabalhar seus medos para assim, indiretamente, afastar as possibilidades (os possíveis possíveis).

Sendo assim, em uma análise mais profunda, tomando como foco o tempo, o “eu” presente, que está enfrentando a situação, depende do “eu” ainda não existente, o “eu” que ainda não é. Como no caso apresentado, a possibilidade suicida ocorre simbolicamente, e isso separa o “eu” com possibilidades de se atirar do “eu” contrário a essa possibilidade. Isso acaba gerando uma contra-angústia que denominasse indecisão, que, por fim, faz o individuo decidir por se afastar do precipício.

A simples situação sintetiza, com seus diversos pontos (angústia, tempo, homem), a tendência de carregar memórias e experiências ao longo da vida na busca de valorizar, e, de certa forma, acobertar, o pequeno facho de existência que ocupamos dentro da insustentável infinitude de tudo o que nos cerca.
Em se tratando das memórias, são claramente representadas na retratação do passado em fotografias - em suas diversas formas, situações e fins. A angústia, nesse caso, não abrange apenas situações de vertigem ou traumas adquiridos de experiências antigas, cabe aqui a angustiante noção do homem como ser da sociedade, ser do mundo, e - uma das mais complexas problemáticas - sua angústia diante da morte.

O filósofo afirma que o homem está condenado à liberdade, entretanto, o “ser livre” consiste não em poder escolher os diversos caminhos, mas em determinar-se a escolher um entre todos. Visto isso, cabe concluir que toda e qualquer conseqüência nascida da tomada de decisão é, por justa causa, responsabilidade de quem a tomou. Sobre a morte, é irrevogável sua iminência e relevância frente à existência. Invariavelmente, por mais injusto que o pareça, a curta vida, quando atingido seu auge, ficará marcada pelo suspiro final, em outras palavras, seu último maior ato reportará eternamente a consciência viva de seus dias enquanto vivo(a).

O trabalho contrário a essa lei da natureza (pode ser tratada aqui como contra-angústia) seria o desvio de importância sobre a última experiência para as diversas outras adquiridas e acumuladas ao longo da vida, muitas delas servindo como válvula de escape à angústia de não conseguir medir a longevidade da existência. Fotografias de família, de anos juvenis, de uma miscelânea de realizações - profissionais, acadêmicas, atléticas, etc. -, dos mais diversos motivos, em sua grande parte fases positivas, aliviam a necessária fugacidade à derrota, à irrelevância do ser, à nociva insignificância como membro perecível e reciclável do meio social humano.

Por fim, dá-se valor á essa busca enquanto forma de melhoria do ser humano. Muitas vezes a procura por novas fontes de redenção pessoal são enormemente beneficentes à sociedade. Entretanto, as fotografias, peças descartáveis e sujeitas a desfalecerem-se frente ao tempo, fazem uma alusão para que o homem sempre busque se renovar e se render às possibilidades do acaso o qual a conseqüência dos seus atos pode levá-lo.

terça-feira, 1 de junho de 2010

sustentável hipócrita


“Todos somos hipócritas. Todos fomos, somos ou seremos hipócritas em alguma situação. Hipocrisia é criticar algo ao qual se esta a fazer, ou fazer algo ao qual se critica, é uma corrupção dos valores individuais, valores ao qual a razão institui, mas os atos não correspondem, hipocrisia é a falta ética jurídica, moral, profissional, é o enganar-se, é um vírus ao qual o homem pode ser induzido a praticar ou simplesmente, por falta moral, se torna a escolha de seu livre arbítrio.

A indução à hipocrisia é rigorosamente imposta por questões políticas, sociais, religiosas. Políticas, pois o homem jurídico encontra-se muitas vezes incumbido por fazer ações ao qual sua ética moral o repudia, porém entra em concordância com as questões sociais ao qual se pode ver mais uma vez a obrigação que um poder impõe ao homem para ele sobreviver e viver de acordo com os padrões estabelecidos, padrões estes muitas vezes redigidos por elementos de fora da sociedade, e por fim religiosos onde pode-se ver um homem por muitas vezes cego de seu papel social, confiando o problema da hipocrisia como não sendo seu e pedindo para que este seja solucionado com a fé em sua religião ao invés de ajustar-se a sua própria ética.

Criticar a hipocrisia é por si só um ato hipócrita, pois um homem ao qual encaixa sua vida com os seus padrões éticos, ato este considerado muito difícil, é tomado de todo ou parcialmente a participar da sociedade, consequentemente em algum ponto de sua vida ele será hipócrita. Isolar-se da hipocrisia é isolar-se da sociedade em que se vive, é viver consigo em situação de solidão ou determinando a sua própria ética para outros, porém tornar-se-ia uma ditadura, isolar-se da hipocrisia é viver em anarquia, é viver em constante estado de poesia utópica, é viver em arte, é morrer. Porém isolar-se da hipocrisia não é a solução para viver sustentavelmente, pois um homem sustentável vive em sociedade, o homem sustentável deve confrontar a hipocrisia, deve aniquilá-la em sua ética, deve revolucionar a sua sociedade para excluir a hipocrisia, isso é exercer a cidadania sustentável, é adquirir e manter seus direitos e deveres.

A desigualdade social é a pior inimiga de uma sociedade sustentável, pois um homem que tem sua integridade ética não consegue exercê-la em uma sociedade desigual e um homem que é ignorante em relação a padrões éticos sustentáveis torna-se insustentável por si só. A causa desta ignorância deve ser estudada, pois ela existe nos diferentes níveis da sociedade desigual, portanto encontra-se diferentes causas, ao qual a mais nobre é a falta de instrução, pois a causa que se institui como o repudio a informação é inteiramente feita pela escolha deste homem." [...]

Alan Frampton