terça-feira, 15 de junho de 2010

Contemporâneo...

"Não há, com efeito, nada mais aborrecido do que ser, por exemplo, rico, de boa família, ter boa aparência, ser bastante esperto e mesmo sagaz e, todavia, não ter talento, nenhuma faculdade especial, nenhuma personalidade mesmo, nenhuma idéia pessoal, não sendo propriamente mais do que "como todo mundo".

Ter fortuna, mas não ter a de Rothschild; ser de uma família honrada, mas que nunca se distinguiu por qualquer feito; ter uma boa aparência, mas, mesmo com ela, não exprimindo nada de particular; ter inteligência, mas nenhuma idéia própria; ter bom coração, mas sem nenhuma grandeza de alma; ter uma boa educação mas nem saber o que fazer com ela etc, etc...

Há uma extraordinária multidão de gente assim no mundo, muito mais até do que a muitos possa parecer. Essa multidão pode, como toda a outra gente, ser dividida em duas classes: os de inteligência limitada e os de alcance mais vasto. Os primeiros são os mais felizes. Nada é mais fácil para essa gente "comum", de inteligência restrita, do que se imaginar original e mesmo exceção, e folgar com essa ilusão, nunca chegando a perceber o equívoco.

Basta a muitas de nossas mocinhas cortarem o cabelo de certo modo e usarem óculos azuis e se cognominarem de niilistas, para ficarem de vez persuadidas de que, com isso só, obtiveram automaticamente "convicções" próprias. Basta a certos cavalheiros sentir o mais leve prurido de qualquer erupção bondosa e humanitária para que imediatamente fiquem persuadidos de que ninguém mais sente o que eles sentiram, e de que formam a vanguarda da cultura. Basta a certos indivíduos assimilar uma idéia expressa por outrem, ou ler qualquer página solta, para imediatamente acreditarem que essa é a sua opinião pessoal espontaneamente brotada de seu cérebro.

A imprudência da simplicidade é, se assim se pode dizer, espantosa, em tais casos. Por mais incrível que pareça, isso existe."

Fiodor Dostoievski, O idiota (1868)

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