quinta-feira, 29 de abril de 2010

David Lynch, o explorador da mente


O inconsciente pode ser interpretado de muitas maneiras e, em algumas situações, socialmente apreciado por viés de faculdades artísticas e de seus regedores avançados. Além disso, muito dessa questão está presente no cinema, mais difundida das artes dentro do campo social.


A maneira inconsciente de assimilarmos as coisas advém das dezenas de horas que absorvemos informações direta ou indiretamente. Cabe aqui, a exemplificação da denotação e conotação. Denotação é o significado que invariavelmente é adotado para uma determinada coisa, ou seja, a mais simples das explicações (uma chave, por exemplo, é um objeto de ferro moldado com o fim de abrir fechaduras). Já a conotação é integrada à noção cultural, intelectual, por isso em cada individuo possivelmente prevalecerá um significado diferente (uma chave que abre portas, que desencadeia reações, que revela segredos, chave da situação, chave do coração, etc.).


Essa última é a grande inspiração dos tão perturbados artistas declamadores da problemática da vida. Contudo, o artista - seja ele ator, pintor, escultor, cineasta, poeta - deve promover sua conotação de tal maneira que os espectadores possam interpretá-la de tal jeito que não apenas sua noção, até ali vigente, permaneça sendo a pedra fundamental.

A habilidade do artista em não ser absurdo, mas em brincar com a razão, e, por fim, semear assim certo crescimento intelectual, é a grande diferença. Mas nem tudo é fácil no aprender com as grandes artes. Se a absorção fosse assim tão leve, os livros deixariam de ser lançados na forma tradicional, mas nasceriam roteiros prontamente encaminhados para o público geral.


Os grandes mestres não nascem tal qual o são. Para alcançarem o nível de conotação visto em suas carreiras, passaram por muitos equívocos fundamentais e revelações processuais. Entende-se assim a sua moral abdicada de noções clássicas. Portanto, eles não farão fáceis as percepções de seus sentidos aguçados sobre a mente humana, o caminho é árduo, contudo, a recompensa é gratificante. Com subjetividades quase imperceptíveis, moral subliminar e tantas nuances impecáveis, o trabalho final não visa formar nichos de intelectuais, mas aproximar as pessoas começando pelo fundo de suas mentes.


Antes de tudo, é invariável a importância de, excluindo as produções recorrentes de expressão inócua, ver, ler e assistir não somente às obras, mas aos autores. Sem isso, a percepção será de irrisório valor. Como entender, se não, o surreal em David Lynch, a beleza em Chaplin, o ser humano em Fellini, as cores em Almodóvar, o excêntrico em Woody Allen, a sociedade em Glauber, a mulher em Simone de Beauvoir, a angústia em Sartre, o fluxo de consciência em Virginia Woolf, o Kafka em Kafka, a moral em Saramago, a liberdade em Jack Kerouac, o Brasil em Jorge Amado?

Cada um desses - e tantos outros - tem dentro de si essas diversas noções que regem o mundo. Noções que, quando expostas, trazem uma reeducação sobre tudo existente até o dado momento. Concomitante a isso, os espectadores esperados pelo artista, aqueles que estão preparados para o aprendizado que terão, recebem a mensagem e oficializam o processo artístico.


Assistir a David Lynch é, além de tudo, uma experiência, seja ela fonte de percepção ou de desilusão, isso porque ele insiste em mostrar quase tudo com subjetividade. Sendo um dos mais cultuados diretores de sua geração - diretamente influenciado pelo também mestre do surrealismo no cinema, Luis Buñuel -, alcançou credibilidade apoiando a liberdade criativa, sendo a sua criatividade um patamar difícil de ser transposto.


O que ele pede a quem assiste a seus filmes é atenção e, por fim, nem tanta atenção assim. Muitos elementos presentes reverberam além da trama, e assumem a condição de profanadores da razão. Lynch submete-se a descortinar o fantástico, insano, e, certas vezes, irracional da realidade (proposta executada com certo abuso, segundo alguns), sem com isso concluir de modo racional esse ambiente, uma vez que não é essa sua tarefa. Os mistérios continuarão lá, e continuarão assim sendo, porém um novo viés de procura estará à disposição para o próximo passo. Pois, como dito antes, não cabe a ele - e aos muitos outros mestres, citados ou não - a função de responder o inexplicável, mas sim de explorar com esmero as inúmeras possibilidades advindas das catacumbas da mente humana.



sábado, 24 de abril de 2010

Músicas, músicos e musicalidades. Sopa de pedra

Qual os objetivos da música, quando ela consome quase por inteiro um músico? Ela domina 3/4 dos ponteiros do relógio do artista simplesmente atrás de quê?
Essas perguntas impertinentes dominam os pensamentos dos que veem a situação de fora, considerando "tudo isso uma grande bobagem e um tanto quanto perigosa". Mas lhes digo, não existe nenhum objetivo coerente sob qual corremos atrás. Nosso fundamento é pífio. Nos sustentamos simplesmente por uma clave de sol e nada mais.
Mas a cada inconsciente batida de seu pé que acompanha as colcheias e semi-colcheias de uma obra, o olhar atento nas variação das cordas vocais, a definição pulsante que se dá ao baixo e por ai vai, nos dá a mínima noção, mas suficiente da função dos músicos.
Brotamos sob uma enorme quantidade de fé e expectativa, pois nos encarregaram de fazer uma comunicação com o que rege esse e outros mundos: Deus. Conseguimos, creio.
A propósito, já imaginou uma vida sem um som, sem o sentimento traduzido musicalmente? Eu já. Me deu uma série de calafrios. Mas preciso desligar, ele disse. O violão me espera.

- os alquimistas estão chegando

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Milan Kundera e a condição humana


A insustentável Leveza do Ser - Romance (1984)


O cerne da filosofia universal teve seus primórdios nas terras gregas, lar de pensadores até hoje lembrados e estudados ao extremo, seja por suas descobertas como, principalmente, por suas dúvidas. Uma das discussões clássicas, primeiramente abordada por Parmênides no século VI a.C., foi a dualidade das coisas. A duplicidade dos elementos existente para o equilíbrio do universo – e, por que não, além dele. Infinitas são as exemplificações, o bem e o mal, o claro e o escuro, o dia e a noite, o Yin e o Yang, todos classificados como o lado positivo e o lado negativo para o fechamento do ciclo. Entretanto, a quase incontestável classificação de cada um gera dúvidas as quais servirão de tronco para o complexo romance A Insustentável Leveza do Ser do tcheco Milan Kundera.

Se podemos facilmente separar cada coisa entre positivo e negativo, então onde entram o peso e a leveza? Kundera, a partir dessa questão, narra a história de quatro protagonistas – dificilmente tomar algum como principal, visto a habilidade do autor em abordar cada um com suma importância - como exemplos para sua análise dicotômica. O romance é dotado de uma ternura complexa. Seus personagens são postos a prova diante de seus romances, traições e vertiginosa vontade de viver. Graças aos seus sonhos humanos de buscar a felicidade, são levados a expor-se com fim de evitar conseqüências terríveis como depressão e até insanidade.

Kundera é genial na sua construção crítica. Não reluta em expor a origem ficcional de suas crias, nascidas de devaneios alheios que, com o devido trabalho, tornaram-se vítimas dos próprios desejos. A seu bel prazer desenvolve episódios onde a opinião do leitor é encarada como parte da análise. Num dos últimos momentos do livro, onde o casal protagonista e seu inseparável cãozinho vivem momentos de união familiar, Kundera lembra nosso desenvolvimento cultural em volta do bichinho de estimação – elemento muito presente e carismático da obra. O discurso que o autor prega sobre o sentimento com um vira-lata moribundo em comparação com um humano em condições precárias é grave, repulsivo e invejável.

O discurso presente não deixa de ser opinião. E, assim como todos os casos, gostos e opiniões divergem. Portanto, a convergência com o autor é avaliada nas prioridades do leitor e no quanto se deixa levar pelos irremediavelmente apaixonados do livro. Todos são vítimas, mas tornaram-se assim pelos atos, desejos e a eterna fuga errante do negativo e a busca do positivo.

"O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (pois isso
se aplica a todas as mulheres) e sim pelo desejo do sono compartilhado (isso se
aplica a uma só mulher)."

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Kafka, o mestre das frases

Francine Prose, autora de “Para ler como um escritor – Um guia para quem gosta de livros e para quem quer escrevê-los” (2008, Jorge Zahar Editor), notou uma necessidade de material para tal fim e acaba por revolucionar na abordagem do tema. Sua maneira de ensinar análises e citar obras obrigatórias revela que para os iniciantes da arte da escrita a paixão é pedra fundamental. Uma das lições iniciais de seu livro ensina sobre a insuperável importância da frase de abertura das obras. Grande parte dos escritores é apaixonada por construir belas frases, principalmente a fundamental.
Prose aponta a leitura desacelerada e atenta como método para o tamanho trabalho estilístico - em alguns casos levado ao extremo – não passar despercebido. Dada a importância da primeira frase, é ela que evidencia o que será desenrolado pelo resto das páginas e define se você vai ler até o fim.
Não importa o tamanho ou o rebuscamento, a frase pode tanto conter apenas quatro palavras como ser abarrotada de subordinações ordenadas em cascata. É ela que desencadeia o mistério, revela o estilo, introduz a trama, em suma, captura o leitor.

Lido esse capítulo, instantaneamente busquei as tais frases fundamentais nos meus livros já consumados. É notável como, de acordo com Prose, os autores dão importância a isso. Jack Kerouac, escritor cerne da geração Beat, logo de cara joga o leitor no meio de suas andanças e peregrinações sem roteiro que desenroladas não necessariamente acabam com o fim do livro. Sem rodeios, Kerouac quer mesmo transmitir certa falta de noção em suas grandes viagens, e faz isso bela e energicamente, levando o leitor junto, sem lenço nem documento.



Com Kafka (foto), segundo Francine, tem-se muito a aprender. Foi um exímio construtor de frases; um mestre das linhas de abertura – e das frases ao longo de toda sua obra. Buscava as doses certas nos momentos certos, logo, a frase primordial tornava-se de relevante importância para a sincronia do que viria a seguir.
Em A Metamorfose (comentários sobre essa obra em outra ocasião em um texto exclusivo, tamanha sua complexidade), Kafka abre com “certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Gregor Samsa encontra-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.” Tão vastos são conteúdo e importância presentes apenas nessas poucas palavras que toda uma análise poderia ser construída sobre a curta introdução. Difícil não querer saber quem era Gregor Samsa, por que se tornara um inseto monstruoso e ainda que inseto monstruoso fosse esse que havia se tornado (pergunta essa tão incógnita quanto a sobre a traição de Capitu).

Tanto para o leitor apaixonado como para o escritor ascendente, Francine acerta ao construir um manual leve e interessante que ensina a navegar pelas obras dos grandes escritores. Sendo seus cursos, suas palestras e seu velho amor pelas palavras material que serviu para a construção do livro, sua abordagem é diferente para nós brasileiros. Tão apaixonados pelo desenvolvimento da arte como relato da cultura ou apenas como desenvolvimento estilístico, ainda temos deficiência em cursos e materiais voltados à arte da escrita. O que deveria mudar é a boa leitura deixar de ser regra, porque aqui, infelizmente, as regras servem para não serem respeitadas, uma pena, mas verdade.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

INSTINTO

O homem nasceu para gritar. Berrar emoções de dentro da garganta. Externar sentimentos presos no esôfago. Desde o primeiro dia ele, subitamente, reage ao instinto da liberdade sonora. Entretanto, as criaturas selvagens e os arbustos verdes que tremiam ao grito do homem foram gradativamente sendo trocados por aparelhos binários e torres de concreto, avessos a essa reação. Falam até mais alto e sufocam sua expressão, tornando raro o momento para arriscar um som que compita.



Reféns de nossa própria tecnologia, de nossa própria evolução. Assumimos um papel passivo em relação à criação. Acima citei a causa de berrarmos ao nascer e passamos a vida sempre querendo mais, tudo se funde em uma reação: o instinto. E o instinto não pode ser silenciado. É uma chama que acende a alma e a engrandece até consumir todo e qualquer sentimento contrário. O instinto não pode nos ser tirado por qualquer força existente, permanece adormecido até o momento de sua gloriosa explosão.



O grito, nesse caso, não explicasse pelo sentido literal. Como foi dito no inicio, é um sentimento, uma emoção. Historicamente o homem expressou liberdade, patriotismo e força com ele. Apenas um ser berrando indignação pouco faz. Um grupo suspirando uníssono, por diversas vezes, derrubou reinos, finalizou conflitos e alterou os rumos da História.



Em meio ao concreto, ao artificial, à velocidade, não só perdemos o costume de gritar, acabamos por esquecer termos nascido com tal recurso. Porém, novamente abordando fatos do passado do homem, é sendo sufocado que este aprende qual seu verdadeiro limite, o qual está muito além do que imaginamos. À beira do abismo vomitamos as emoções mais profundas com o intuito de sermos percebidos e temidos.



Em suma, homens como nós sabem o valor do grito silencioso, o grito sensorial. Seu volume é medido pelo seu conhecimento, pela sua razão, pelo seu espírito. O milagre da mente humana proporciona acrescer todos esses fatores para seu enriquecimento. Processo facilmente esquecido por quem da prioridade às necessidades contemporâneas, os mudos contemporâneos. Esses são responsabilidade nossa. Cabe a nós alertar sobre a finitude de seus planos. Trabalhando nisso, não precisaremos gritar escancaradamente, uniremos um maior numero de vozes, cada qual com seu valor, e assobiaremos ao vento. Assim, a História seguirá justa o seu caminho natural.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

bienvenue copains...

Mesclando todo espiríto hippie dos cachorros, à decadência mundana e à iluminação zen-budista, cá estamos a lhes apresentar o novo modo de exaurir nossa revolta e nos afogar cada vez mais na ignorância poética. Sem nenhum rótulo, e nenhuma vontade de satisfazer alguém, o blog não é escrito por nenhum intelectual ou pseudo, apenas escrito com a força da vontade, inspirado principalmente pela geração que pregava o desapego e o amor à estrada.